Paulo Rosa

Indispensável leveza do ser

Por Paulo Rosa
Médico do SUS, Hospital Espírita, Caps Porto, Telemedicina PM Pelotas
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Somos pesados de corpo e alma. Daí a necessidade de cultivar levezas. Eis nove:

A) Suspiro de bebê enquanto dorme. Numa inexistente escala de levezas, certamente inspirada em Italo Calvino, a partir das Seis propostas para o próximo milênio, a mais leve das levezas será este silencioso, quase imperceptível, ínfimo, mas profundo suspiro, durante sono reparador. Pais atentos e pediatras sagazes o relatam, extasiados.

B) Em segundo lugar perfila-se Guimarães Rosa que, - ficção - em um dos cinco prefácios a Tutaméia, roseanamente relata: os pais, com o filho, no parque. O menininho se perde. Passado um pouquinho o susto, procura um guarda próximo e diz: “seu guarda, o senhor acaso não viu um casal, sem um meninozinho assim como eu?” Afirmam os pesquisadores que Guimarães é imbatível em segundo lugar.

C) Cheiro de mato. Caso o amigo seja de exclusivo domínio urbano, desconhecerá totalmente esta dimensão e, quase certamente, porá em dúvida sua existência e seus atrativos para a leveza da alma. Pesquisadores de Piratini poderão proporcionar a experiência aos céticos contumazes.

D) Ainda no setor olfativo, há concordância dos investigadores de que o cheiro de terra molhada, por amena chuva, é não só inebriante como pacificador para almas desassossegadas.

E) As palavras de Sancho Pança ante os desvarios do Cavaleiro da Triste Figura. De forma sabiamente amistosa, sem confrontar as maluquices de D. Quixote o fornido ajudante profere: “mire lo que dice Vuestra Merced!” Como relata Cervantes, o intrépido não deu, propriamente, ouvidos a Sancho, mas acolheu a expressão de carinho do vassalo.

F) A primeira respiração da vida. Depois de, bravamente, transitar pelo estreito e sinuoso canal de parto, em um esforço conjunto e magnífico de filho, mãe e assistentes, a primeira respiração, a inauguração de experimentar o ar dentro dos pulmões, passar do desamparo absoluto para um primeiro gesto de autonomia. Pacifica-se o pequeno ser. O esboço primeiro do que seja a liberdade.

G) Em um inesperado sétimo lugar, o implacável Millôr - quem pensaria? - com seus 5142 pensamentos, ponderações, devaneios, cismas, disparates, introspecções, tresvarios, meditações, necedades, dislates, filactérios, estultilóquios, sofismas, incoerências, galimatias, dizidelas de sua Dialética, listados em A Bíblia do Caos, L&PM, 1994. Ao abrir o livro de 500 páginas, afirma: “tenho quase certeza de que uma vez, no Meyer, em certa noite de tempestade, fui barbaramente assassinado. Mas isso foi há muito tempo”. Longa e arrevesada vida: 1923-2012.

H) Filhote de qualquer bicho. Um potranco, um leitão, um borrego, quer maior leveza que vislumbrá-los e constatar do quanto gostam de brincar? Incluem-se aí as gurizadas, por certo.

I) Hors concours: momento máximo do poema: já no coração, antes ainda do pouso nas palavras. Estado poético supremo. Inspirado na poeta gaúcha Maria Carpi. ​

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